Guia cruelty-free: como fazer perguntas aos SACs das marcas

Os Serviços de Atendimento ao Consumidor de marcas no Brasil têm um histórico de ineficiência impressionante.

Frequentemente não respondem emails e, se respondem, na maioria das vezes dão respostas vagas, ambíguas, isso quando não dizem mentiras. Parte disso é fruto de atendentes completamente despreparados, ou quando a própria marca orienta para que eles sejam assim.

Quem se preocupa com a causa animal e depende de SACs para obter respostas para diversas questões acerca do assunto sofre bastante. Muitos atendentes, seja por email ou por telefone, sequer sabem o que significa um produto “vegano” (sem ingredientes de origem animal e não testado em animais). Além disso, é preciso que você tenha perspicácia de saber interpretar respostas vagas que eles costumam dar quando questionados sobre o assunto.

Abaixo estão várias dicas e instruções para lidar com isso e não ser enganado.

“Não fazemos testes em animais” e as respostas genéricas

O sonho de todas as marcas é que você faça a pergunta genérica: “vocês testam em animais”? Certamente eles responderão objetivamente “não, não fazemos testes em animais”. Simples. Mas saiba que se uma empresa diz que não testa em animais, MESMO respondendo isso, ela pode:

  1. Terceirizar os testes em animais: ou seja, a empresa em si, nos seus laboratórios próprios ou algo do tipo, pode não testar em animais, mas pode contratar outro laboratório independente que teste produtos, ativos, ingredientes (e etc) da empresa em animais. Ela não faz o “trabalho sujo”; manda alguém fazer.
  2. Possuir fornecedores que testam em animais: a empresa em si, nos seus laboratórios próprios ou algo do tipo, não faz testes em animais, mas pode possuir um fornecedor (de qualquer ingrediente que componha um produto dessa empresa, por exemplo), que testa em animais. Testar ela não testa, mas compactua com quem o faz.
  3. Pertencer a uma empresa-mãe que testa em animais: mesmo que a empresa não teste em animais, não terceirize, não tenha fornecedores que testem, não use ingredientes de origem animal, ela pode pertencer a uma empresa-mãe que faz teste em animais. Um exemplo: a Urban Decay não testa em animais e possui vários produtos veganos, mas ela pertence à empresa-mãe L’Oréal, que faz testes em animais. Quando você dá dinheiro para a UD, indiretamente você está financiando e compactuando com os testes em animais feitos pela L’Oréal.
  4. Testar em animais quando exigido por lei: se a empresa vende no mundo todo, na maioria dos países (e onde você mora) ela pode não testar em animais, mas para entrar em lugares como a China, ela é obrigada (por lei) a testar em animais. Se você pergunta à Mary Kay do Brasil se eles testam em animais, certamente vão responder que não (e respondem), mas a verdade é que, na China, a Mary Kay faz teste em animais. O mesmo ocorre com Avon, MAC e várias marcas que decidiram entrar no mercado chinês.
  5. Atuar em outros segmentos em que ela faça testes em animais: é comum uma mesma empresa atuar em vários segmentos: produtos de higiene e limpeza, cosméticos, medicamentos, alimentos (e etc), mudando apenas os nomes das marcas. Às vezes em um deles ela pode fazer testes em animais, mesmo que no segmento de cosméticos não faça. Se você perguntar ao SAC da empresa Hypermarcas (vale lembrar que, no verso dos rótulos, você verá que quem produz os produtos para a Hypermarcas é a Cosmed ou Brainfarma) se ela faz testes em animais, ela dirá que a Hypermarcas Consumo não faz testes em animais. Ok, mas a Hypermarcas MEDICAMENTOS faz (medicamentos alopáticos são, obrigatoriamente, testado em animais).

Como perguntar sobre testes em animais e ingredientes de origem animal

Exemplo de pergunta sobre testes em animais

Olá!

Gostaria de obter respostas claras e objetivas para todas as seguintes perguntas:

– A marca testa em animais, seja os produtos acabados ou inacabados, seja ingredientes, ativos, matérias primas, etc?

– Caso a resposta para a pergunta anterior seja NÃO, ela terceiriza os testes em animais? Atua em outros segmentos no mercado e, em algum deles, testa em animais?

– A marca possui fornecedores (de ingredientes, matérias primas, ativos, embalagens, etc) que testam animais? Se a resposta for NÃO, como ela se certifica que os fornecedores não testam?

– Caso a marca não seja independente, ela pertence a uma empresa-mãe que faz teste em animais?

– Caso atue internacionalmente, ela vende seus produtos na China ou em algum outro país onde os testes em animais são obrigatórios por lei?

Agradeço pela atenção e aguardo resposta!

Exemplo de pergunta sobre testes em animais – versão adaptada para o inglês (para SAC estrangeiro)

Hello!

I would like to know objective answers for all this following questions:
– Your company do test on animals, including finished or unfinished products, ingredients, raw materials, etc?
– If the answer for the previous question is NO, the company buy or use something (ingredients, raw materials, etc) from suppliers that do any type of animal testing? If the company don’t do it, how do you make sure that all of your suppliers are not doing any kind of animal testing?
– Your company pays researchers or laboratories to carry out animal tests?
– If your company isn’t independent, is it owned by any company that do test on animals?

– If your company is sold worldwide, are you including China or any country where test on animals is required by law?

Thanks for the attention and I’m waiting for answers!

Thank you!

Exemplo de pergunta sobre ingredientes de origem animal

Olá!

Gostaria de saber se a empresa usa qualquer tipo de ingrediente que tenha origem animal (exemplo: mel, geleia real, lanolina, leite, gordura animal, tutano, etc) ou que possa ser sintetizado a partir de matérias primas de origem animal (exemplo: álcool de lanolina, ácido esteárico, esqualeno, álcool cetílico, colágeno, glicerina, almíscar, etc). Se SIM, quais produtos ou linhas que possuem tais ingredientes? Se forem muitos produtos e linhas contendo ingredientes de origem animal, quais seriam, então, as exceções, ou seja, os produtos e linhas que não contém ingredientes de origem animal.

Agradeço a atenção!

Exemplo de pergunta sobre ingredientes de origem animal – versão adaptada para o inglês (para SAC estrangeiro)

Hello!

I would like to know if your company uses any type of ingredient derived from animals (example: honey, milk, lanolin, animal fat, etc) or that is created from animal source (example: lanolin alcohol, stearic acid, squalene, cetyl alcohol, collagen, glycerin, musk, etc). If YES, which animal ingredients the company uses and which products or lines has those ingredients? If a lot of lines or product has animal ingredients, to make it more easier, which products or lines are exceptions (don’t have any animal ingredient)?

Thank you!

Fique atento aos “poréns”

Fique esperto com palavras como “exceto”, “apesar”, “mas”, “a não ser”. Muitas marcas podem começar fazendo um belo discurso sobre não testar em animais, sobre estar buscando alternativas para testes em animais, mas logo acrescentar que fazem testes em determinadas situações.

“Não fazemos testes em animais, exceto quando…”, “Não fazemos testes em animais, apenas quando querido por lei/We don’t do test on animals, only when required by law”, “Não fazemos testes em animais, exceto quando não há alternativa para garantir que o produto é seguro / We don’t do test on animals, except when we don’t have alternatives to prove the product is safe”. Traduzindo: a empresa faz testes em animais.

Dicas importantes

  • Respostas vagas, um mau sinal: claramente, se uma empresa não tem nada a esconder, não há motivos para dar respostas vagas e não responder o que foi perguntado. Se isso acontece, acontece por dois motivos: ou os atendentes estão despreparados ou a empresa está fazendo algo errado e orienta para que respontam assim porque não quer prejudicar a própria imagem. Tome cuidado. 
  • Não se satisfaça com respostas simples demais: isso costuma a acontecer mais quando você entra em contato com o SAC por telefone. Muitas atendentes respondem, precipitadamente, “não” para tudo que você pergunta sobre ingredientes de origem animal ou testes em animais, mas quase sempre isso ocorre de maneira leviana e provavelmente não é verdade. Fique atento a respostas precipitadas.
  • Explique-se sempre: para evitar que atendentes despreparados façam confusão, ao citar termos como “vegan”, “vegano”, explique que isso quer dizer sem ingrediente de origem animal e sempre cite exemplos de ingredientes obtidos de animais. No começo do post mostrei alguns exemplos de emails que você pode usar para evitar confusões e respostas vagas.
  • Seja chato: é aquela velha história do “se não vai por bem, vai por mal”. Passou uma semana e não responderam? Sem ofensas, pergunte de novo, várias vezes se preciso. Se não estiver obtendo respostas satisfatórias, pergunte o que você quer saber quantas vezes for preciso até que respondam o que você está perguntando. Não deu certo? Liga no SAC. Não tem 0800 ou ainda sim não conseguiu obter respostas? Vá ao Reclame Aqui, ao PROCON, entre na página da empresa e reclame educadamente nos comentários das postagens.
  • Nunca confie 100%: infelizmente, nem todas as marcas são transparentes e verdadeiras. Algumas até respondem  o que você pergunta, mas pode não ser verídico – e nessas horas é preciso ficar atento, por exemplo, se a marca tem selos de certificadoras sérias como a IBD, EcoCert, Leaping Bunny e Cruelty-free International, que têm diretrizes contra testes em animais e auditorias; ou se a empresa pertence a listas de marcas que não fazem testes em animais, como as da PETA e da PEA. Vale, ainda, pedir explicações mais detalhadas para o SAC – é um direito seu.
  • Sites e grupos úteis: o Guia Vegano tem um espaço para respostas de SACs e a comunidade SAC Vegano no Facebook é bem interessante.

Espero que esse guia possa ajudar e, caso queiram complementar a leitura desse post, o blog Beleza Vegana fez um texto excelente abordando o mesmo assunto e tem outras informações que podem ajudar bastante: veja aqui.

14 comentários sobre “Guia cruelty-free: como fazer perguntas aos SACs das marcas

  1. Sobre o post que você fez no facebook criticando a nutricionista que você foi, sinceramente, a pessoa que quer se tornar vegana deve procurar um profissional especializado, não um nutricionista padrão. Sou vegetariano, mas jamais iria a um nutricionista padrão caso tivesse intuito de me tornar vegano… É pra isso que existem as especializações pós-faculdade. Não adianta procurar o profissional errado e depois se chatear e postar no FB um monte de críticas. Quando quis me tornar vegetariano procurei um nutricionista com essa especialização e não qualquer um…. O mesmo acontece com qualquer médico: se você tiver com gastrite, não vai procurar um médico especializado em ortopedia… e todos são médicos no geral, não?

    Da mesma maneira que existem os cientistas das teses que você postou, também existem cientistas que argumentam contra tudo isso… admito isso mesmo sendo vegetariano… Cada um com sua especialização…. fazer o que? Imagino que com você lançando seus argumentos, levando até os artigos impressos, premeditando etc, já indo “munida”… como você mesma disse, a nutricionista tenha mesmo se sentido acuada a ponto de ter que defender o que ela acredita: com certeza ela não é vegetariana.

    É necessário refletir sobre isso!

    1. Antes de falar baboseira, leia esse parecer do Conselho Regional de Nutricionistas: http://vista-se.com.br/redesocial/conselho-regional-de-nutricionistas-crn-3-publica-parecer-sobre-dietas-vegetarianas/

      Todo profissional tem a OBRIGAÇÃO de atender o paciente vegano ou vegetariano e dar todo o suporte necessário. “Ao nutricionista cabe orientar o planejamento alimentar dos indivíduos, visando à promoção da saúde, respeitando as individualidades e opções pessoais quanto ao tipo de dieta. Aspectos biológicos, psicológicos e socioculturais da relação entre o indivíduo e os alimentos devem sempre ser considerados, no processo da atenção dietética.”

      1. O erro (maior) foi dela, que não te encaminhou a um especializado assim que você começou a falar. De qualquer maneira, procure um especializado, não seja boba. Veganismo não é para qualquer nutricionista padrão, infelizmente nenhum profissional sai da faculdade especializado nisso e, você mesma deve saber, envolve maiores estudos além da graduação.

  2. Nyle, quero me tornar vegetariana, mas encontro uma barreira no meu hipotireoidismo já que é impossível achar tratamento hormonal livre dos testes em animais. Algum site, alguma marca trabalha com esse seguimento?
    ps: qualquer tentativa no google cai em hipotireoidismo canino

    1. Carolina, infelizmente em termos de remédios vai ser impossível achar uma opção cruelty-free. Mas na medicina alternativa você pode achar um caminho. Procure por médicos ortomoleculares, medicina ayurvédica, aromaterapeutas, naturólogos. Esses profissionais podem te oferecer um caminho a seguir, fora que a alimentação também pode te ajudar.

      Olha, mas caso você não obtenha resultados, não fique triste. Você não está usando esses remédios porque quer e sim porque precisa. Ter amor pelos animais é excelente mas ter amor à própria vida nós também temos. Se você não achar outro meio de lidar com isso não se culpe, você pode ajudar os animais de outras formas!

    1. Só uma complementação. Tenho problemas com dores de estresse (dores nas costas e ombros) e às vezes preciso de fisioterapia. Aí descobri que os equipamentos que uso ainda são testados em animais. É foda, não é? Abraços e adoro seu blog.

  3. Interessante seu artigo Nyle, obrigada!
    Acredito depois de ler isso tudo que você já deve ter tentado obter essa informação de muitas marcas né? Então tenho uma sugestão: um artigo com os resultados. Conta para nós quais são as que estão com respostas que parecem que realmente não testam em animais 🙂

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